Antes mesmo da pandemia do coronavírus, Mariana Gesteira, medalhista parapan-americana e finalista dos Jogos do Rio, já enfrentava um outro adversário perigoso: a síndrome de Arnold Chiari, doença rara que causa fraqueza intensa e desequilíbrio.
Hoje (8) se comemora o Dia Nacional da Natação. Um esporte que muda diariamente a vida de muitas pessoas ao redor do mundo. Uma delas é a carioca Mariana Gesteira, de 24 anos. “A natação me deu muito. Cresci demais. Com o esporte me tornei uma pessoa muito mais madura e resiliente. A natação me mostrou que eu sou capaz de fazer coisas que eu nem imaginava”, confidencia a atleta de Uberlândia (MG), dona de oito medalhas em Parapans.
Enquanto a maioria das pessoas, no momento, se esforça para dar conta do rol de problemas causados pela pandemia do novo coronavírus (covid-19), Mariana teve pela frente um obstáculo até mais perigoso do que o vírus. A competidora da classe S10 (que reúne os atletas com a menor deficiência de acordo com os critérios do Comitê Paralímpico Internacional) passou, no final do ano, por um complicado procedimento cirúrgico para atenuar a pressão intracraniana e os demais sintomas da síndrome de Arnold Chiari.
“Acabei tendo uma fibrose no tronco, onde passa o líquor que vai para a medula. O organismo de um atleta exige mais desse líquor. E essa espécie de ‘caninho’ no meu corpo estava entupida. Por isso, tenho muitos sintomas. Precisei testar essa válvula. O equipamento é usado originalmente para quem tem hidrocefalia, que não é o meu caso. Mas era a única opção encontrada pelos médicos para tentar aliviar um pouco o meu sofrimento”, revela a nadadora à Agência Brasil.
Parte do custo do procedimento foi financiada após uma campanha de arrecadação criada pelos amigos da atleta na internet. “Foi um movimento muito bonito. Me deu ainda mais força. Me senti muito acolhida”, agradece.
Jogos Paralímpicos de Tóquio
O prazo inicial para o retorno aos treinamentos na piscina era de três meses. Só que Mariana não aguentou todo esse tempo. E caiu novamente na água 26 dias após o procedimento. “No dia de janeiro já estava nadando. Estou fazendo tudo para estar em Tóquio. É o meu maior sonho”, projeta a jovem mineira.
Na época, ela precisou antecipar o retorno já que, como o mundo ainda não vivia a pandemia da covid-19, a seletiva nacional estava marcada para o final de março e os Jogos Paralímpicos, para o final de agosto.
A aposta foi tão alta que Marina pôs em risco a frágil saúde. “No início, o médico colocou o equipamento na pressão máxima. E, toda semana, a gente ia regulando para avaliar os meus ganhos físicos. Era uma luta contra o tempo para estar em Tóquio. Chegamos até a baixar demais a pressão e passei por uma espécie de ‘hiperdrenagem’. Os meus sintomas aumentaram muito”, recorda.
Em relação às provas, ela foca a preparação em três. “Os 50 e 100 metros livre e os 100 costas. No momento, a minha prioridade é a prova de costas. Mas, de repente, com a retomada dos treinamentos de força mais para o final do ano, eu não descarto um trabalho mais focado nos 50 livre”.
A determinação é tanta que ela não levou em consideração nem mesmo o prazo de seis meses de elevado risco de infecções no pós-operatório. “Sinto muita dor, principalmente na minha barriga, no cateter. Estava me rasgando por dentro. Tinha que lidar com a dor, com os sintomas, com a expectativa para os Jogos. É uma linha muito tênue. A gente vive no limite. Treinei dois meses e parece que tinha passado um ano. Eu quero muito mais. Quero conquistar mais. Não estou satisfeita. Sei que não é fácil, mas ainda tenho muita força para correr atrás dos meus sonhos”, atesta a finalista de três provas individuais e uma de revezamento na Rio 2016.
Adiamento
“Para mim, o adiamento foi muito bom. Vou ter mais tempo para conseguir os índices e chegar ainda melhor”, planeja. Mariana está passando os dias de quarentena em Uberlândia com a família. “O período é difícil para todo mundo. Principalmente para nós, atletas, que estamos acostumados a uma rotina intensa. Até a alimentação está difícil para mim aqui em Minas Gerais. Muitos mercados já não têm mais alguns produtos que eu preciso. Graças a Deus que estou aqui com os meus familiares. Eles me passam uma segurança muito maior”, diz a nadadora.
Afastada da infraestrutura do CT Paralímpico da capital paulista, onde realizava os treinamentos em períodos de normalidade, a atleta tenta também adequar os trabalhos físicos na sua residência. “A minha deficiência me traz dificuldades de equilíbrio e coordenação. A água é o ambiente mais compatível. Muitas coisas eu não consigo fazer sozinha. Tem muitos exercícios de salto e corrida que são impossíveis de realizar. Nesses dias, pedalar é o que está aliviando um pouco a minha cabeça”.
Pensando nos demais atletas, ela reconhece também que o adiamento foi o mais justo para todos. “Todo mundo se iguala agora. Quase todos estão sem poder entrar na água. O principal é a saúde dos atletas. Não teria com fazer os Jogos neste ano. Agora, com esse tempo extra, eu vou poder fazer um trabalho de base melhor. Treinar mais perna, fazer as coisas mais corretas para chegar lá o mais perto possível do 100%”.
Histórico
Mariana descobriu que tinha a síndrome de Arnold Chiari aos 14 anos e logo se submeteu à primeira cirurgia de emergência. Enfrentou problemas no pós-operatório como meningite, rejeições e fístula, precisando passar por um outro procedimento para correção. Em 2012, veio outra cirurgia para refazer todo o primeiro procedimento e instalar uma placa de titânio. Só que, depois da participação nas Paralimpíadas Rio 2016, a fraqueza muscular e o desequilíbrio retornaram até chegarem a níveis críticos no final de 2019.