Uma vez aprovada por órgãos reguladores, a vacina contra a covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica AstraZeneca vai representar um novo marco tecnológico na forma como as imunizações são criadas. Isto porque nada parecido foi usado em larga escala até hoje.
Tradicionalmente, vacinas demoram vários anos até serem liberadas pelas autoridades de saúde.
A expectativa é que os primeiros antígenos contra o novo coronavírus estejam disponíveis comercialmente no ano que vem, um tempo recorde.
Diante da pandemia, algumas tecnologias de fabricação de vacina já em uso, como vírus vivo atenuado, não podem ser aplicadas, conforme explica o professor titular de de imunologia clínica e alergia da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e diretor do diretor do Laboratório de Imunologia do InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP) Jorge Kalil.
“Para uma vacina com vírus atenuado, você tem que fazer estudos muitos extensos regulatórios para mostrar que esse vírus efetivamente não causa doença. Ninguém quer fazer uma vacina que se precise de muito tempo regulatório, porque se quer a vacina logo e não se sabe como é que vai atenuar [o vírus]. Isto demoraria muito tempo.”
Quando surgiram as primeiras evidências de que a covid-19 poderia se tornar pandêmica, cientistas da Universidade de Oxford adaptaram rapidamente uma linha de pesquisa em vacina já existente.
O trabalho para criar um antígeno contra o novo coronavírus começou em 10 de janeiro, logo após a publicação da sequência genética do vírus.
A equipe já tinha à disposição uma plataforma vacinal que pode ser adaptada em um curto espaço de tempo para novos vírus, chamada ChAdOx1 (abreviação de chimpanzé adenovírus Oxford).
Como o próprio nome diz, o veículo é um adenovírus de chimpanzés. Este é um tipo de vírus inofensivo e enfraquecido que geralmente causa resfriado comum nos primatas.
“As equipes já haviam usado a tecnologia de vacina ChAdOx1 para produzir vacinas candidatas contra vários patógenos, incluindo gripe, zika e síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), outro coronavírus. Eles já haviam começado a trabalhar na preparação para uma pandemia com a tecnologia por trás do ChAdOx, em preparação para ‘Doença X’. Quando a doença surgiu na China, eles se moveram rapidamente”, explica a Universidade de Oxford.
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Ilustração da proteína spike do coronavírus
Divulgação/NIH
O fato de o adenovírus de chimpanzés ser entendido pelo organismo como “algo novo” ajuda o sistema de defesa. acrescenta Kalil.
“Se escolhe um vírus humano, você já pode ter anticorpos contra o vírus e não deixa desenvolver uma boa resposta [imunológica] contra a proteína que você quer fazer, que é de outro vírus.”
A partir daí, os pesquisadores acoplaram ao adenovírus partes do coronavírus que julgaram ser importantes para ativar o sistema imunológico, o que foi feito por meio de um trabalho de engenharia genética.
Na prática, o adenovírus serve de transporte para o que de fato interessa: os fragmentos do coronavírus necessários para induzir o sistema de defesa.
A parte escolhida para ser inserida no vírus do chimpanzé foi a proteína spike, presente na “coroa” do vírus.
Essas estruturas, em formato de tacos, são as que se conectam às moléculas ACE2 nas células dos pulmões. É por elas que o vírus SARS-CoV-2 entra e causa a covid-19.
O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA classifica as vacinas baseadas em plataforma como o futuro da imunização por serem “especialmente boas em ensinar ao sistema imunológico como combater os germes”.